Cronica e arte
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O CORAÇÃO DELATOR (segunda parte)
Mas mesmo assim me contive e fiquei quieto. Eu mal
respirei. Eu segurei a
lanterna imóvel. Tentei com
que firmeza conseguiria
manter o raio na véspera.
Enquanto isso, a infernal
batida daquele aumentava.
Ficava cada vez mais rápido,
e mais alto e mais alto a
cada instante. O terror do
velho deve ter sido extremo!
Ficava mais alto, eu digo,
mais alto a cada momento! -
você me nota bem eu disse
que estou nervoso: estou
mesmo. E agora na hora morta da noite, em meio ao
silêncio terrível daquela velha casa, um barulho tão
estranho como este me excitou a um terror
incontrolável.
No entanto, por mais alguns minutos, me contive e
fiquei parado. Mas a batida ficou cada vez mais alta!
Achei que o coração deveria explodir. E agora uma nova
ansiedade apoderou-se de mim - o som seria ouvido por
um vizinho! O velho homem' a hora havia chegado!
Com um grito alto, abri a lanterna e saltei para dentro
da sala. Ele gritou uma vez - apenas uma vez. Em um
instante, eu o arrastei para o chão e puxei a cama
pesada sobre ele. Eu então, sorri alegremente, ao
descobrir que o feito até então estava feito. Mas, por
muitos minutos, o coração bateu com um som abafado.
Isso, entretanto, não me incomodou; não seria ouvido
através da parede. Por fim, tudo cessou.
O velho estava morto. Tirei a cama e examinei o
cadáver. Sim, ele estava completamente morto.
Coloquei minha mão sobre o coração e a segurei ali por
minutos. Não havia pulsação. Ele estava morto de
pedra. Seu olho não me incomodaria mais.
Se ainda me acha louco, não mais pensará assim
quando eu descrever as sensatas precauções que tomei
para ocultar o corpo. A noite agora avançava, e trabalhei
depressa, mas em
silêncio. Antes de
tudo desmembrei o
cadáver. Separei a
cabeça, os braços e
as pernas.
Arranquei três
tábuas do assoalho
do quarto e então
depositei tudo entre
as vigas. Recoloquei então as pranchas com tanta
habilidade e astúcia que nenhum olho humano — nem
mesmo o dele — poderia detectar algo de errado. Nada
havia a ser lavado — nenhuma mancha de qualquer tipo
— nenhuma marca de sangue. Eu fora muito cauteloso.
Uma tina absorvera tudo - ha! ha!
Quando terminei todo aquele trabalho, eram quatro
horas — tudo ainda tão escuro quanto à meia-noite.
Quando o sino deu as horas, houve uma batida à porta
da rua. Desci para abrir com o coração leve — pois o
que tinha agora a temer?
Entraram três homens, que se apresentaram, com
perfeita suavidade, como oficiais de polícia. Um grito
fora ouvido por um vizinho durante a noite; suspeitas de
traição haviam sido levantadas; uma queixa fora
apresentada à delegacia e eles (os policiais), haviam
sido encarregados de examinar o local.
Sorri — pois o que tinha a temer? Dei as boas-vindas
aos senhores. O grito, disse, fora meu, num sonho. O
velho, mencionei, estava fora, no campo. Assim
acompanhei minhas visitas por toda a casa. Incentivei-
os a procurar — procurar bem. Levei-os, por fim, ao
quarto dele. Mostrei-lhes seus tesouros, seguro,
imperturbável.
No entusiasmo de minha confiança, levei cadeiras para o
quarto e convidei-os para ali descansarem de seus
afazeres, enquanto eu mesmo, na louca audácia de um
triunfo perfeito, instalei minha própria cadeira
exatamente no ponto sob o qual repousava o cadáver da
vítima.
Os oficiais estavam satisfeitos. Meus modos os haviam
convencido. Eu estava bastante à vontade. Sentaram-se
e, enquanto eu respondia animado, falaram de coisas
familiares. Mas, pouco depois, senti que empalidecia e
desejei que se fossem.
Minha cabeça doía e me parecia sentir um zumbido nos
ouvidos; mas eles continuavam sentados e continuavam
a falar. O zumbido ficou mais claro — continuava e
ficava mais claro: falei com mais vivacidade para me
livrar da sensação: mas ela continuou e se instalou —
até que, afinal, descobri que o barulho não estava
dentro de meus ouvidos.
Sem dúvida agora fiquei muito pálido; mas falei com
mais fluência, e em voz mais alta. Mas o som crescia - e
o que eu podia fazer? Era um som baixo, surdo, rápido
— muito parecido com o som que faz um relógio,
quando envolto em algodão.
Arfei em busca de ar, e os policiais ainda não o ouviam.
Falei mais depressa, com mais intensidade, mas o
barulho continuava a crescer. Levantei-me e discuti
sobre ninharias,
num tom alto e
gesticulando com
ênfase; mas o
barulho continuava a
crescer.
Por que eles não
podiam ir embora?
...Andei de um lado
para outro a passos
largos e pesados,
como se me
enfurecessem as
observações dos
homens, mas o
barulho continuava a crescer. Ai meu Deus! O que eu
poderia fazer? Espumei — vociferei — xinguei!
Sacudi a cadeira na qual estivera sentado e arrastei-a
pelas tábuas, mas o barulho abafava tudo e continuava
a crescer.
Ficou mais alto — mais alto — mais alto!
E os homens ainda conversavam animadamente, e
sorriam. Seria possível que não ouvissem? Deus Todo-
Poderoso! — não, não? Eles ouviam! — eles
suspeitavam! — eles sabiam! - Eles estavam zombando
do meu horror! — Assim pensei e assim penso.
Mas qualquer coisa seria melhor do que essa agonia!
Qualquer coisa seria mais tolerável do que esse
escárnio. Eu não poderia suportar por mais tempo
aqueles sorrisos hipócritas! Senti que precisava gritar ou
morrer! — e agora — de novo — ouça! mais alto! mais
alto! mais alto! mais alto!
— Miseráveis! — berrei — Não disfarcem mais! Admito o
que fiz! levantem as pranchas! — aqui, aqui! — são as
batidas do horrendo coração!
Edgar Allan Poe
fotos
e imagens: internet
divgaçao e EBC tradução: Editoria do
Site Cronica e Arte
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