Cronica e arte
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A HISTÓRIA DE MINHA MÃE
Quando passo pelo
corredor, você está ali me
sorrindo, tem certeza que
está fazendo o mesmo lá
no céu, onde se encontra
agora. Para um instante
paro, quero retribuir a
sua saudação, também
com o mesmo sorriso. Os
seus cabelos brancos
curtinhos, encaracolados,
os olhos verdes. Que
ficaram pequenos, mas
com aquele brilho
especial que tudo fala. O rosto com as marcas do
tempo, mas com aquela pele invejável de tão lisa,
rosada e macia, até os lábios parecem pintados, para
quem não sabe que você nunca usou batom.
Este é seu retrato no meio de um buquê de rosas
brancas, lembrança da festa do seu aniversário de
noventa anos.
Assim na minha memória, as lembranças passam
como um belo filme colorido.
É belo e gratificante ter esta oportunidade de falar
de você, mãe querida, me permita de conter um pouco
de sua história. Mulher forte, até no gênio, com voz
firme e sotaque alemão, com a letra “R” bem puxada,
de estrangeira, mulher linda de postura elegante.
Qualquer roupa podia ser simples, caia bem em você.
Até na idade avançada, você caminhava com uma
bengalinha para fazer charme, mais que para se
segurar.
Mulher admirada pelas belas virtudes, querida,
amiga, prestativa e solicita, caridosa e atenciosa com
todos e sempre alegre. Amava a justiça e não hesitava
um segundo para chamar atenção, quando algo estava
errado. Muitas vezes julgamos esta sua atitude
intransigente, mas com bondade infinita, humilde,
sabia pedir desculpas para qualquer desentendimento.
Para todos que tiveram a sorte de cruzar o seu
caminho, você deixou o exemplo de uma generosidade
sem limites, às vezes exagerada, mas tinha um
grande coração.
Educada desde os três anos em um colégio
Franciscano na Alemanha, você trazia as marcas que
durou dezoito longos anos, longe do carinho dos pais
que visitavam você de vez em quando. Aprendeu
assim todas as artes, das mais humildes aos mais
finos bordados, não tinha trabalho que você não
soubesse fazer, além de ter uma caligrafia impecável,
dominava um alemão perfeito. Enfrentava qualquer
desafio com a maior facilidade e coragem inigualável
Na época da
segunda guerra
mundial foi a prova
maior, com três
filhos pequenos; o
pai ganhava pouco
dividindo o
trabalho na fabrica
de tecidos e de
jardineiro, onde vocês eram caseiros. Sem medir
sacrifícios, você ajudava, além de cuidar da casa e da
horta, trabalhando como domestica. Nunca faltou
comida na mesa: era simples e gostosa, com tempero
de amor de mãe, podia ser polenta, ou batatas,
macarrão preparado com suas mãos laboriosas.
A casa era pequena, longe do povoado, com caminho
de terra batida. O inverno era duro na época da neve,
o fogão era a lenha, a cozinha era quente, e o quarto
ficava gelado. Tudo no devido lugar, sempre em ordem
e limpo; a minha infância foi feliz, correndo naquele
grande jardim, que na primavera era uma festa de
flores, e no verão tinha frutas doces: cerejas,
morangos e framboesas para comer no pé.
Você mãe, me educou cedo para o trabalho doméstico,
me dava pequenas tarefas, colocava um banquinho
para que eu alcançasse a pia para lavar a louça e para
passar miudezas. Adorava ajudá-la, assim me
elogiava, me fazia sentir importante dizendo:
- Nunca fale não sei fazer, tente até conseguir,
ninguém nasce professor!
Mãe querida, quantos ditados fazem parte da minha
vida, dos seus ensinamentos carinhosos e severos. O
hobby da costura, dos consertos, do desmanchar e,
fazer de novo com a maior facilidade, eu aprendi com
você. Quando me sento na frente da maquina de
costura, com reverência, me lembro de quantos
trabalhos fizemos juntas; sempre alegre, cantando,
enfeitando nosso dia, eu admirava muito, queria ser
igual a você.
Apesar de ser severa, não me lembro de ter
apanhado, a não ser uma única vez, foi um tapa na
boca, mais o menos forte; não me lembro o motivo,
mas suas mãos eram fortes com as palmas largas de
quem fez muitos trabalhos pesados. Você se orgulhava
ao contar da sua vida na volta da Alemanha, quando
seu pai foi buscá-la por causa da guerra, você
administrava e ajudava na pedreira até usando pá
para carregar pedras nas carretas, na marcenaria
também você ajudava na fabricação de caixão de
defuntos; aprendeu também fazer colchões de palha
para os soldado que paravam na alfândega da estação
de trem. O lugarejo era pequeno e pobre, você falava
só a língua alemã com os seus pais e os irmãos
tinham inveja porque não entendiam. Aos poucos
aprendeu a falar o italiano. A vida mais tarde levou-a
para cidade grande, onde as amigas já estavam
trabalhando. Você parou na casa de um famoso
professor da Universidade de Milão, especialista em
radiologia. A vida de novo marcou o seu caminho, pois
levou esta família a ter uma segunda casa, em um
lugar mais afastado dos bombardeiros, e, seguiu com
eles cuidando dos filhos, ensinando a língua alemã, e
cuidando da avó deles, idosa que sofria de insônia. O
destino tinha traçado o caminho, foi ali que você
conheceu meu pai, ficando como caseiros por mais de
quarenta anos.
As dificuldades foram enormes,
você as superou com firmeza e
muita coragem, as provações
da convivência com uma
pessoa como meu pai, que não
tinha a sua cultura, apesar de
ser muito trabalhador, mas ele
gostava de beber vinho em
excesso.
Com muita inteligência você
resolvia tudo, e com paciência
agüentou firme, com aquela
garra vencedora, trabalhando
constantemente para dar uma boa educação aos
filhos. Você cumpriu a sua missão de educadora, tenho
certeza com a melhor psicologia, aquela da intuição
que toda a mãe sábia tem, escutando seu coração.
Quanta coisa ainda podia contar, mas... posso dizer só
uma palavra para resumir tudo: Obrigada minha
querida mãe! Saudade!
Lisute*
*Este texto foi publicado da Editora Casa do Novo
Autor, da cidade de São Paulo no ano 2002. Foi
escolhido pela Antologia Literária “Escrevendo
Mulheres” para homenagear as mulheres.
Fiquei muito orgulhosa e para ter homenageado a
minha querida mãe, assinando meu trabalho com o
nome com o qual ela costumava me chamar: “Lisute”!
Elisa Alderani
fotos
e imagens: Site Pexels
Anna Shuets e Cristian Rojas, internet
e facebook da poetisa
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