Cronica e arte
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O PAR DE ÓCULOS
Por Mentore Conti
O mês deveria ser
outubro, o ano e a data
exata se perdem na
poeira do tempo. O
pouco frio que tinha
feito na região, tinha
terminado e o clima
ficaria cada vez mais
quente, até o inverno seguinte.
Mário como os demais amigos eram italianos, ele
propriamente era da Itália. A terra distante que deixou
para emigrar, a profissão de professor de matemática
que deixou para trás, …
Agora a família os filhos, a nova esposa com a qual
casou mais para ajudar a criar as crianças, já que a
primeira mulher morreu no parto. A nova profissão que
assumira de pedreiro, ... A vida era difícil naquela
época.
Mário quando podia ir na barbearia de Berto, ... O Berto
barbeiro Como era conhecido pelos fregueses. Mário
quando conseguia, ia visitar o amigo
A barbearia ficava em uma sala na frente da casa e na
sequência daquele casa do Berto, tinha uma sala com
uma mesa grande e a sala que dava para outros
quartos, para a cozinha. Era um período em que os
descendentes de italianos iam conseguindo trabalhos
melhores.
No início os italianos tinham chegado como imigrantes
para substituir os escravos e, no dia-a-dia, muitos
conviveram ainda com os escravos e com a mentalidade
escravista dos antigos coronéis.
Agora já amenizara um pouco o problema. A igreja criou
no asilo daquela cidade, um serviço de creche, onde os
filhos de italianos, ou seus netos, enquanto os italianos
trabalhavam, tinham onde ficar.
Mário sentia que vagarosamente algo parecia mudar.
Seu filho que foi pedreiro junto com ele, tinha ido para
São Paulo, ingressou na Força Pública. Um filho de
imigrante agora era funcionário público na Terra Nova,
que o tinha acolhido, que tinha acolhido Mário.
Quantas vezes Mario chegou na casa de Berto barbeiro
e com orgulho de imigrante dizia:
Marinho, Marinho está bem... Marinho agora trabalha
com a segurança do Governador!!! Vedi dove siamo
arrivati! Il mio filho Em São Paulo… Está bem… Come
pão com manteiga todo dia, ...tem um guarda-roupas
com três repartições, ... está bem!
Mário andava preocupado já há alguns dias. A filha mais
velha do Berto barbeiro estava com problema de vista,
Não enxergava bem… Talvez astigmatismo… Logo ela
que gostava de estudar, logo ela, que como ele na Itália,
queria ser professora.
O que fazer… A consulta com oculista era cara e ele
sabia do aperto de todos os italianos e seus
descendentes, ou da maioria deles, ... sabia das
dificuldades do amigo.
Dinheiro eles tinham, mas uma consulta, mais o preço
dos óculos era muito alto…
Mário estava preocupado, Berto também, ainda que
não falasse, ...também estava. Ser professora não era
um sonho somente da menina, mas de um grupo de
italianos, que agora começava a despontar na cidade.
Finalmente eles os chamados “carca mano” estavam
começando a emergir.
Ele já não eram mais
colonos, agora um era
barbeiro, outro dono
de bar, ele Mário
pedreiro, ...o filho... o
filho de Mário, na
Força Pública. Agora
era a vez da filha do
Berto, do Berto
barbeiro.
A menina não enxergava direito, ...E agora ...o que eles
podiam fazer?
Berto o Barbeiro andava preocupado, ... Mário estava
preocupado pelo amigo…
Um dia Mário caminhava pela rua quando ele vê jogado
na calçada, um par de óculos, uma armação entre o
amarelo e o bege, um tom de marrom e as lentes. Mário
não teve dúvidas procurou saber se alguém tinha
perdido aqueles óculos.
Ao ficar sabendo que eram óculos velhos e descartados
pelo dono, Mário guardou o objeto e esperou para ir até
o salão, na casa de Berto barbeiro.
Na quinta-feira daquela semana, Mário chega na
barbearia com a novidade:
--- seu Berto o senhor não indovina o que encontrei!!
Berto barbeiro era um descendente de calabrês e
mesmo com os amigos não era muito calmo e já foi
dizendo:
--- Mà dice de uma vez!!! ... desembucha, como fala o
povo quando alguém fica enrolando!
Mário Então tira do bolso os óculos e diz, risonho, que
tinha achado a solução para filha de Berto e disse que
eles fariam um teste colocando os óculos a menina e se,
ela lesse um cartaz, um texto, o óculos serviriam.
De início o barbeiro teve vontade de rir, mas depois
entre uma tesourada e outra no cabelo do freguês que
estava atendendo, pensou bem e disse consigo mesmo
Está bom, e porque não ???!!!
Berto logo pensou que diferença fazia em ir pagar um
exame em um oculista, ou testar os óculos na menina,
com ela vendo um cartaz. Se ela enxergasse bem com
óculos, tudo bem... daria certo.
---Está bom Mário, disse o Barbeiro, espera ali na sala
que terminando este freguês eu já vou.
Mário chega na sala e diz: Dona Rosa, tudo bem?
--- tudo bem Seu Mário, ... o senhor quer um café?
--- sim respondeu Mário, mas Dona Rosa já foi falando:
---- pois é mas café não tem!!! mas se o senhor preferir
uma limonada…
---Há uma limonada vai bem com este calor, disse
Mário.
E Dona Rosa lhe responde:
---Ah sim, mas limonada também não tem!!!
No final Dona Rosa trazia um Pouco d'água para a visita.
Ela sempre fazia isto e falava assim, talvez um jeito de
brincar um pouco e esquecer das dificuldades que,
naquela época atingia os italianos e seus descendentes.
As visitas levavam no bom humor, principalmente
quando se tratava de algum Calabrês ou de algum
descendente de italiano do sul da Itália.
Esta alegria toda, mesmo naquela situação e os porquês
daquelas brincadeiras se perdem no tempo... Alguns
minutos depois Berto que em geral era rápido em cortar
um cabelo, estava ali rindo e conversando um pouco.
Quando a filha de Berto chegou da escola, O barbeiro e
seu Mário puseram em prática a ideia do exame de vista
caseiro.
---Maria!!!! exclamou Mário, se dirigindo a filha de Berto
que naquela época tinha cerca de 8 anos um pouco mais
de 8 anos e gostava da ideia de usar óculos.
Quando o Barbeiro e Mário lhe propuseram fazer o teste
para ver se os óculos serviam, mais do que depressa a
menina aceitou.
---Pega o cartaz da quermesse de Aparecida, disse o
Berto referindo-se ao cartaz que estava no salão de
barbeiro, anunciando os festejos da santa.
E assim foi feito, o cartaz foi colocado na parede e Maria
com os óculos leu os dizeres. Nem precisaria falar que a
menina não ficou distante do cartaz como seria natural
em um exame de vista.
Com cartaz nas mãos, ela leu novamente. Mas para que
ler a distância, se uma pessoa quando lê, põe um livro
perto do rosto pensou o Barbeiro.
Sua filha ficou contentíssima, Ela sonhava com um par
de óculos, Ah e aquela cor entre o amarelo e o bege, ela
ia parecer professora.
Maria sempre gostou de brincar de escolinha e seus
alunos eram pedaços de lenha que ela punha como que
sentados, para ensinar a lição
Dizer que ela continuou sem enxergar direito, não é
preciso falar!
Ah era uma época difícil, mas anos depois, 11 anos
depois, com muito sacrifício Maria se formou professora,
Para alegria de Berto barbeiro que não quis ser seu
padrinho de formatura, por que não aguentaria a
emoção.
Berto barbeiro chorou de emoção, a sua filha fazia
parte daquela primeira geração de italianos, que estava
progredindo e tendo trabalhos antes só ocupados por
parentes de fazendeiros de origem portuguesa ali na
região.
E foi então que Maria finalmente, já professora, pode ter
um par de óculos, agora sim com exame correto, que
realmente lhe servissem.