Cronica e arte
CRONICA E ARTE CNPJ nº 21.896.431/0001-58 NIRE: 35-8-1391912-5 email
cronicaearte@cronicaearte.com.br Rua São João 869, 148882-010 Jaboticabal SP
O ANJO
uma cronica de Mentore Conti
--- Vocês esqueceram o
Felipe aqui.... gritou com seu
rosto pesado de um bronze
escurecido pelo tempo e a
chuva, mas ninguém o ouviu ou
ouviria. Há dez anos estava ali,
colocado depois de um fino
trabalho do artesão, que fez-lhe com todos os
detalhes, dando forma ao material. Ficaria ainda por
muito tempo em silencio sobre o tumulo de ***, com
uma lagrima a escorrer-lhe do olho direito e curvado
diante do epitáfio também de cores escuras.
Felipe ficou ali no túmulo em frente, acocorado e
só, abandonara-se depois de acompanhar o magro
enterro de sua mãe. Eu o vi descendo o morro ***,
as pernas trêmulas, já meio sozinho, misturado ao
pequeno grupo de vizinhos que acompanhava o
caixão.
O veiculo onde estava seguia o carro funerário,
marcando o ultimo trajeto de Joana, passista da
Escola de Samba. Naquela meia hora depois de ter a
noticia da morte da moça e de voar pela cidade para
acompanhá-la ao cemitério, vi o cortejo seguir em
meio ao indiferente conversar das gentes e aos
olhares já acostumados com a cena que passava.
Meu Deus que estranho, há duas semanas quando
voei pela cidade, via a Escola de Joana na Marquês de
Sapucaí, ela ia linda, alegre, com sua dança e seu
olhar. A cidade em aplausos, risos e discursos fáceis
da alegria de ajudar a gente do morro a realizar o
carnaval.
Joana, sentiu-se uma princesa, afinal a
reconheciam, ela, uma simples costureira, um filho
pra criar, agora era o centro das atenções e, além do
mais, ajudara na confecção das fantasias que
estavam tão bonitas... Todas aquelas Joanas, por um
dia eram princesas. De casas simples e com roupas
de parco preço saiam os Joões, a criar o espetáculo
para o brilho de uma só noite, de uma só hora...
Ontem fiquei sabendo do ocorrido, a polícia subiu
o morro, tinha acabado o carnaval, e no tiroteio Joana
saiu para ver se Felipe estava na rua e foi alvejada,
ficou ali caída até que alguém colocou-a sobre um
carrinho de mão e desceu até o Hospital, estava vazio
de médicos e recursos e no corredor da enfermaria
ela morreu.
Sei que sou de bronze e fui feito para ficar aqui
neste túmulo, mas esta pobre gente... só é lembrada
no carnaval... Tenho voado pela cidade --- não digam
a ninguém--- e não tenho visto quem melhore um
hospital sequer para Joanas e Joões.
---Felipe, Felipe!!! Eu o chamo há horas, mas não
me ouve... ele não tem mais ninguém, ninguém o
notou ali ---Felipe!!! Se lembrar de sobreviver até ano
que vem ele terá um dia de príncipe também... ---
Felipe!!! --- desculpem-me por esta lágrima, mas ela
foi feita comigo pelo artesão.
O menino olhou tentando individuar quem o
chamava, mas não vendo ninguém, acocorou-se
novamente e novamente, a recordar-se de Joana,
restou em silencio...