Cronica e arte
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RETRATO EM BRANCO E PRETO
por Mentore Conti
Estou sentado nesse
Alpendre... A casa é
antiga, de pintura já
um pouco
desbotada, antiga
como minha
memória, sonhos de
dias felizes, já
esmaecidos e com
pessoas que se
perderam no tempo,
ou já morreram.
Meu nome? Importa meu nome em um mundo tão
cinzento de pessoas virtuais, com sorrisos falsos em
páginas de rede social?
Meu notebook está aberto e ligado. Em minha página
chegam posts inúmeros de almas solitárias tentando
dizer: existo!
Na televisão um bombardeio de notícias do momento,
notícias que encobrem as notícias de ontem, dadas com
tanto alarme e sensacionalismo, mas já esquecidas por
serem de ontem.
Tragédia? ... Não precisa ir longe, aqui em minha
cidade acontecem crimes atrozes e a violência corre
minha região, Contudo dão mais espaço para tragédia
de qualquer lugar no Oriente Médio.
Eu sei que são tragédias importantes também, mas
porquê mais espaço para um problema distante,
enquanto temos vítimas aqui mesmo?
Em meu alpendre, cercado por grades, vejo aqui mesmo
um mundo desfocado e triste, mas estou esquecido
como minhas memórias. Eu sei que o esforço de postar
sorrisos na rede social é inútil, como disse antes, vale
mais a foto de um acontecimento distante, que se possa
explorar por um dia ou dois.
Os reais sentimentos de tantos internautas, não
importam. É suficiente deixá-los apavorados, para
depois serem manipulados de alguma forma.
Quando estou aqui, estes pensamentos veem ao meu
redor e me fazem repousar o livro que teimosamente
tento ler, em meio a esta angústia.
Meu nome? Bom já que isto parece importar a você, me
chamo Antonello. Antonello Junqueira de Andrade. Fui
funcionário público da previdência social.
Um trabalho mecânico em um ambiente cinza, ...cinza e
enfadonho. Papéis, ...papéis e mais papéis, ...carimbos
e arquivos. Ali eu passei trinta anos.
Quando os computadores chegaram em todos os
departamentos, eu já estava me aposentando, mas isto
pouco importa. Pouco importa o que eu pensava da
demora dos processos, do porque eram negados.
No fundo, no resumo de tudo eu fui só um número. Hoje
também, sou só um número.
Mas que importa, estou aqui sentado e solitário. Isto
parece ser o bastante. Gosto de poesias e de Mário de
Andrade, na minha opinião, um grande escritor.
Mas minha opinião importa? Para quem?
--- não senhores, não se iludam, ...Neste mundo
moderno nos tornamos com o tempo, apenas número
ou uma estatística!
Desculpem-me se falei alto, para que falar se hoje sou
apenas um perfil na rede social, que com meus posts
tento ainda sair deste anonimato, ...apenas tento...
O que quis fazer na vida, o que ainda sonho, ...é como
uma imagem desfocada, atrás de um portão. Enquanto
penso e fico remoendo minha vida, o mundo, agora tão
cibernético, vive de manchetes novas e repisadas, com
sede de novidades superficiais e efêmeras.
Desastres, ...epidemias, ...atentados, ...homicídios,
...tudo passando rapidamente, inebriando e cancelando
a humanidade que deveríamos ter.
---E nós? ... E eu?
Não tenham ilusões,
por um bom tempo
somos um número
de “Big Data”, uma
estatística de
pesquisas das redes
sociais, vendidos
para que a indústria
saiba do que
gostamos e então
faça um produto certo, adaptado para o nosso consumo.
Os protestos não adiantam, eles entram na
contabilidade destes números, para criar produtos para
quem protesta, como as indústrias que fabricam
camisas de roqueiros para quem protesta através do
Rock, ou um boné, para quem, em uma periferia, usa o
Rap como protesto.
Depois com o tempo, ...que passa incessantemente,
seremos como chinelos velhos, já gastos e esquecidos,
...empoeirados em algum canto da casa.
Eu, Antonello, estou aqui, sentado em um alpendre,
atrás de uma grade e um mundo desfocado lá fora,
...Nada mais.
fotos Mentore Conti