Cronica e arte
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O VISITANTE
Esta crônica é baseada em fatos reais
Por Mentore Conti
---Seu pre,...
pre,.... pre...
gaguejou João, o
porteiro da
prefeitura de (***)
ao praticamente
arrombar a porta do
gabinete do prefeito
e interromper uma
reunião de
secretários. Quando a voz saiu e ele conseguiu
pronunciar o cargo do mandatário local, já não tinha
mais fôlego, assustado que estava, ainda mais depois
de subir uma escadaria de respeito, daquelas que se
construíam na década de 1930, em madeira de lenho
maciço, madeira de lei.
--- prefeito é urgente – terminou João sua frase, já
sendo perguntado com arrogância pelo prefeito, com
que ordem, ele um porteiro tinha entrado sem bater e
interrompido a reunião do gabinete.
---Eu não disse que era uma reunião importante e que
não queria ser interrompido por ninguém?!!!, vociferou
ainda mais alto o prefeito, sendo seguido por olhares
subservientes de seus secretarios, ao aprovarem a
reprimenda ao porteiro.
Nestas alturas, João, o misero porteiro de uma
prefeitura perdida no interior deste São Paulo, vendo a
viola em caco ainda tentou completar, o que o levara a
cometer um ato tão insolente quanto a levar a porta do
gabinete no peito, e desconsiderar quem estava com a
palavra na reunião.
---Pre... Prefeito, tem um Ge,... Ge,... general que
chegou de Brasília, e quer fa, ..falar urgente com o se,
... senhor!
De uma hora para outra um silencio tomou conta da
sala, os sorrisos, de aprovação ao Prefeito, que fizera
uma reprimenda ao porteiro, se calaram e no máximo
cada qual naquele ambiente tentava contar os botões
de suas camisas.
Silêncio, ... podia se ouvir uma mosca voando e talvez a
própria mosca não quisesse fazer ruído.
Era 1977, o Brasil vivia, ainda que não se percebesse,
um combate a guerrilha rural e, um dos líderes da
guerrilha era da cidade, que saíra em 1970 para a
capital do Estado, e morrera no combate que o Exército
fazia contra os guerrilheiros.
Silencio, um silencio onde nem mesmo se ouvia o
tiquetaquear dos relógios de parede ou de pulso e, uma
pergunta rondava a cabeça do prefeito, secretarios e do
próprio porteiro, que diante de tanto silencio, tinha
medo de sair da sala e que o barulho de seu sapato no
assoalho, causasse mais pânico do que se via no
ambiente.
O prefeito olhou de viés..., como a pedir ajuda, ... mas
como, ...um General de Brasília? Teria sido feita, em
algum Inquérito Policial Militar, a ligação entre ele e a
família do subversivo nascido ali, naquele município?
Mas era uma família ilustre da cidade, ... como
desdenhar a família por causa de um jovem aloprado?
Eles levariam isto em conta?
Estas perguntas o prefeito se fazia, em um silencio
sepulcral, a medir centímetro por centímetro o rodapé
da sala, sem ter coragem nem mesmo de dizer um
...Ah!
--- E Agora??
Que vontade de ser o porteiro, ... o faxineiro do prédio.
Não!!! Era o prefeito a pessoa procurada por um
General de Brasília.
--- E agora?
Esta era uma preocupação dividida por cada secretario
ali e inclusive João, o porteiro....
---E agora?
Muitos ali pensaram em sair e fugir... mas por onde se o
único acesso àquela sala no primeiro andar do prédio,
tinha como saída, única saída, a sala de espera, no
térreo, depois da porta principal e única de entrada,
onde estava o general.
O tempo passava, mas o prefeito e os demais
presentes, não ouviam o relógio. Pensou-se em verificar
se havia algum carro do Exército para carregar
prisioneiros, mas faltou coragem.
Anos antes, um vereador foi destituído do cargo e foi na
capital, responder um Inquérito Policial Militar. Estava
solto já, mas ninguém tinha contado o que se passou
em São Paulo, no IIº Exercito.
Um advogado, que anos antes
enquanto estudava fora preso e
levado a São Paulo, estava de
volta, mas não contava o que se
passou...
Silencio....
Passados alguns minutos, o
prefeito se atreveu a perguntar
em voz baixa e tremula:
---E Agora? Que podemos fazer?
– a voz saiu apagada, sem a
arrogância que tivera com o
porteiro, e tímida o bastante
para que apenas os secretários
mais próximos de onde o prefeito estava, ...ouvissem.
Um secretário, pálido de pavor, ... com a vida passando
em um filme imaginário, disse com uma voz mais pálida
ainda:
--- não tem jeito, ... se ele, o General quer falar,
conversar com o senhor, vamos ver o que é...
Depois, com a voz sumindo disse, ---deve sobrar pra
mais alguns de nós.
Dessa vez a voz sumiu de vez, como um rádio que com
a pilha sem energia, desliga fazendo o som transmitido,
parar. Tomada a resolução pediu-se ao porteiro que
pedisse que o General subisse e lhe fizesse estrada, lhe
acompanhasse.
Quando o General entrou foi pedido que lhe trouxessem
um café, feito na hora e ao prefeito, coube a iniciativa
de falar, e então perguntou:
---Por favor, o que o senhor deseja? E concluiu,
acomode-se por gentileza.
--- pois não, eu estou trabalhando no Ministério da
Educação e Cultura e como estou a caminho de Ribeirão
Preto, aproveitei para passar.
O General então disse que recebera uma carta de um
jornalista da cidade, dizendo que seria interessante
aumentar os livros da Biblioteca Municipal e ele então
queria saber que livros eram mais interessantes e
necessários.
Neste momento o alivio pode se sentir na sala e, muitos
que ali estavam esperando o pior passaram a respirar
aliviados, retomando o folego.
O café foi servido, agora com gentilezas e pompa,
perguntando ao General visitante se gostava do clima
da localidade e completou-se, que ele seria sempre
bem-vindo.
O tiquetaquear dos relógios voltou a ser sentido pelos
presentes e a vida na localidade voltou a sua mesmice
interiorana de sempre.
fotos Foto de Francesco Ungaro,
Foto de MING-CHENG WU//Pexels