Cronica e arte
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AQUELAS PAREDES
por Mentore Conti
Caiu a tarde... e o
gorjear de pássaros
vinha substituir a
algazarra doa
meninos da
vizinhança, agora
escureceria rápido e
a noite traria o
silencio de sempre,
com o abraço de namorados
que nós vemos de tanto tempo... ah que
saudades.
E pensar que há alguns anos, dois moleques iguais
àqueles que sempre brincam aqui em frente moravam
conosco e tínhamos uma fachada imponente, que a
todos chamava a atenção. O tempo, caro amigo é
inexorável, ao menos foi conosco... e quando fomos
abandonadas o declínio veio rápido. Em poucos meses as
janelas perderam os vidros e as teias de aranha
substituíram o alvoroço matinal da Maria, uma das
crianças que moravam aqui.
Gulosa, pensava em brincar de cozinha, em doces e
nos aniversários já ficava imaginando como seria o bolo,
será que é o mal de todas as Marias? Não sabemos. A
família que morou aqui foi a que nos construiu, só
tivemos aqui uma única Maria e não poderemos
confirmar se todas são assim.
Vivenciamos muita coisa, litígios, rancores, alegrias,
o ser humano é curioso, gosta de complicar tudo,
quando cresce fica complicado, me lembro... as crianças
não eram tão assim complicadas, mas os pais, a correria
por nos manter, nos lavar... Ouvi dizer que somos
registrados em cartório, bom, mas eles humanos
também são. Registrar em cartório.... Cada coisa .... E
pior que pelo que me lembro, eles levavam mais a serio
os registros em cartório do que a felicidade deles
mesmos.
Me lembro do
Manuel, o irmão da
Maria, pedia que
brincassem com ele,
mas os pais, o Seu Julio
e Olga, nunca tinham
tempo, alias, não sei
definir o tempo,.....
Estranho, mas
porque as pessoas se apegam a isto para não pararem,
para não sonhar, não conversar.
Olhe que a janela da frente já me disse que perdeu a
conta de quantas pessoas passam esbaforidas, em
direção à casa, quando não vão ter mais nada o que
fazer, mesmo num domingo a tarde.. e olhe que num
domingo a tarde nunca vimos movimento algum....
Quando o seu Julio e sua família moravam aqui, ele
sempre resmungava disto. O tempo, ele dizia as vezes,
quando estava em situação difícil, passava tão devagar,
outras vezes, quando estava feliz, ele dizia quer ia tão
depressa. Acho que ele não gostava do tempo.
Eram tão ruidosos as vezes, as crianças então, viviam
nos sujando, lembro aquela vez que a Maria tirou um
pedaço do meu reboco!! Ah! Que levada.... Atrás ali
daquela porta sobrou um toca-discos, era uma raridade,
mas eles quebraram e na mudança ficou pra trás, parece
que no aparelho tem um disco quebrado também, mas
isto não é importante a ninguém.
Quem deu o disco de presente, nunca saberá o que
foi feito dele!!! E será esquecido como o toca-discos,
talvez.... como a gente foi....
Deixaram também um vaso, destes de cerâmica, e
alguns objetos de nenhuma importância... eram alegres,
mas de certo modo vazios como o vaso que ficou.... esta
casa era assim... vimos as crianças crescerem até que
mudaram, vimos os rancores e risos do casal e agora
tudo ficou para trás. Tudo e nós.
Nossa pintura não tem mais a vivacidade de antes, a
poeira das horas dá conta de desfazer tudo, estamos
trincando agora, olhem, talvez não fiquemos em pé por
mais um ano, ou ao menos parte nossa, nosso cimento e
os tijolos estão enfraquecendo cada vez mais.
Nos anos 70 quando nos fizeram, éramos diferentes,
belas, linhas arrojadas, perto de nossas vizinhas,
algumas já modificadas por completo, éramos uma
inovação, mas agora, vazias e abandonadas assim, ...o
tempo apenas passa, derrubando-nos lentamente, o
tempo que o seu Julio não gostava.
Eles brincavam ali naquele jardim, Manuel era levado
também, mas ninguém ganhava da Maria, se escondiam
aqui no porão... temos porão viu?! Quem sabe não
esqueceram nada lá?.... uma lembrança que fosse.
Saberíamos se tivessem deixado, só o vaso mesmo...
vazio...
Onde estariam agora? Que estarão fazendo?, Afinal já
se passaram quarenta anos... Nossa, quarenta anos...
Manoel e Maria já devem estar casados. Outro dia vimos
passar um senhorzinho, parecia o Seu Julio, já bem
arcado de anos, lento, mas não era ele...
Estarão vivos? ... eles se foram deixando imensas
saudades...